sábado, 19 de julho de 2014

O que devemos saber sobre serpentes peçonhentas

Acidente ofídico ou ofidismo é o quadro de envenenamento decorrente da inoculação de toxinas através do aparelho inoculador (presas) de serpentes.
Anualmente ocorrem aproximadamente 28.000 acidentes ofídicos no Brasil, apresentando uma letalidade de 0,4%. Entretanto, esses dados epidemiológicos talvez não correspondam à realidade devido às subnotificações. O número de óbitos gira entorno de 300 por ano. Antes da produção e distribuição do soro anti-ofídico por Vital Brazil em 1901, era estimada uma letalidade de 25% entre as vítimas de acidentes ofídicos no Estado de São Paulo. Já em 1906 houve uma redução de 50% dos óbitos e 40 anos depois a letalidade variava entre2,6 a 4,6%.
A maioria destes acidentes ocorre com trabalhadores rurais do sexo masculino com idade entre 15 a 49 anos e os membros inferiores são os mais atingidos. As serpentes não apresentam interesse em picar uma pessoa e, quando fazem isso, é para se defenderem. E no Brasil nenhuma espécie peçonhenta vem intencionalmente até uma pessoa para picá-la, são as pessoas que não percebem a presença da cobra e se aproximam dela. Por isso, toda atenção é recomendada quando estamos nos habitats desses animais.
No Brasil ocorrem aproximadamente 380 espécies de serpentes, sendo 60 peçonhentas. As serpentes peçonhentas apresentam glândulas de veneno desenvolvidas associadas a um aparelho inoculador (dentes), cuja função primária é a subjugação (matar) e digestão de suas presas. Apesar da função primária do veneno das serpentes ser a captura de suas presas, ele pode ser usado secundariamente como defesa, causando acidentes em seres humanos. 

São quatro grupos de serpentes peçonhentas que podem causar acidentes ofídicos no Brasil: 

Grupo I - Acidente Botrópico: Gêneros Bothrops e Bothrocophias (conhecidas popularmente como jararacas, caiçaca, urutu-cruzeiro, jararacuçu, surucucu, cotiara, boca-de-sapo).

Jararaca ou Caissaca (Bothrops moojeni)



Grupo II - Acidente Crotálico: Gênero Crotalus (conhecidas popularmente como cascavéis).
Cascavel (Crotalus durissus) 


Grupo III - Acidente Laquético: Gênero Lachesis (conhecidas popularmente como pico-de-jaca, bico-de-jaca, surucucu-pico-de-jaca e surucutinga).
Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) 



 Grupo IV - Acidente Elapídico: Gêneros Micrurus e Leptomicrurus (conhecidas popularmente como corais-verdadeiras). 
Coral-verdadeira (Micrurus lemniscatus)


Os gêneros Micrurus e Leptomicrurus  apresentam dentição proteróglifa (dentes inoculadores relativamente pequenos e fixos, localizados anteriormente na maxila superior). São 29 espécies de corais-verdadeiras no Brasil.
Os gêneros BothropsBothrocophiasCrotalus e Lachesis apresentam dentição solenóglifa (dentes inoculadores localizados anteriormente na maxila superior, que se projetam num ângulo de 90º no momento do bote). São 28 espécies de jararacas, surucucus e cascavéis no Brasil.

Para o reconhecimento de serpentes peçonhentas, observa-se se a mesma apresenta a fosseta loreal. A fosseta loreal é um pequeno orifício localizado lateralmente na cabeça entre o olho e a narina. Este órgão sensorial termorreceptor, permite que os viperídeos (família de répteis escamados da subordem Serpentes) localizem suas presas pela detecção da temperatura das mesmas.




Se a serpente possuir um guizo ou chocalho na porção terminal da cauda, trata-se de uma cascavel (Crotalus durissus).



 Se a serpente apresentar a ponta da cauda com as escamas eriçadas e o formato das escamas dorsais parcialmente salientes, parecendo a "casca de uma jaca", trata-se de uma surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta).



 Se a serpente apresentar a ponta da cauda normal, trata-se de uma espécie de jararaca (Bothrops spp. ou Bothrocophias sp.).



Os viperídeos ainda apresentam escamas dorsais carenadas (parecendo "casca de arroz") e a pupila do olho elíptica ou vertical.





Entretanto, espécies não peçonhentas como a jiboia (Boa constrictor), salamanta (Epicrates cenchria) e a dormideira (Dipsas indica) apresentam a pupila do olho também vertical por serem de hábitos noturnos. Alguns colubrídeos (ex. Cobra-d´´agua -Helicops spp. e a Papa-ovo Pseustes spp.) também apresentam escamas carenadas e não são peçonhentos.
  
 As cobras corais (Micrurus spp. e Leptomicrurus), não apresentam a fosseta loreal, possuem um olho pequeno e as escamas dorsais são lisas (não carenadas). Quando uma serpente apresentar o padrão de colorido tipo "coralino", com anéis pretos, amarelos (ou brancos) e vermelhos, a mesma deve ser tratada como uma possível coral-verdadeira. Algumas corais amazônicas não apresentam anéis coloridos (vermelho, laranja ou amarelo) pelo corpo (ex. M. albicinctus).




CONFUSÃO COM OS NOMES POPULARES
Poucas vítimas levam até o hospital a serpente causadora do acidente, sendo que o reconhecimento do gênero causador se faz pelo diagnóstico clínico (observação dos sintomas) na maioria das vezes. Nota-se aqui o perigo de confusão com os nomes populares e a associação destes com os nomes científicos.
Uma mesma espécie pode ter mais de um nome popular (ex. Bothrops atrox B. moojeni podem ser chamadas de jararaquinha-do-rabo-branco, jararaca e jararacão de acordo com o tamanho do espécime). Outro exemplo é B. atrox que em várias regiões da Amazônia é conhecida como jararaca, mas no Estado do Acre e em algumas regiões do Amazonas recebe o nome de surucucu, e o nome surucucu é apresentado em livros para designar a Lachesis muta (Que é conhecida na Amazônia como Pico-de-jaca ou Surucucu-pico-de-jaca). Em alguns lugares do Amazonas B. atrox é conhecida também como combóia.


CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES

ACIDENTE BOTRÓPICO
GÊNEROS: Bothrops e Bothrocophias.
NOMES POPULARES: Jararaca, jararaca-pintada, jararaca-da-Amazônia, surucucu, caiçaca, jararacuçu, cotiara, urutu-cruzeiro ou cruzeira, jararaquinha-do-rabo-branco.
INCIDÊNCIA: Aproximadamente 90,5% dos acidentes ofídicos.
LETALIDADE: 0,3%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Todo o Brasil.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: proteolítica (atividade inflamatória aguda), coagulante e hemorrágica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: dor, sangramento no local da picada, edema (inchaço) no local da picada e pode evoluir por todo membro, hemorragias (gengivorragia, hematúria, sangramento em ferimentos recentes), equimose, abscesso, formação de bolhas e necrose. Hipotensão e choque periférico em acidentes graves. Tempo de coagulação sanguínea prolongado. Risco de insuficiência renal aguda.
SORO: Anti-botropico ou anti-botropicolaquetico ou anti-botropicocrotalico.

Jararaca ou Surucucu (Bothrops atrox)



Jararaquinha-do-rabo-branco (Juvenil de Bothrops atrox) 


Jararacuçu  (Bothrops jararacussu)


Jararaca ou Caissaca  (Bothrops moojeni)



Jararaca-pintada ou Boca-de-sapo  (Bothrops matogrossensis) 


Jararaca-pintada ou rabo-de-osso  (Juvenil de Bothrops matogrossensis)


Urutu-cruzeiro ou Cruzeira  (Bothrops alternatus) 


Urutu-cruzeiro ou Cruzeira  (Bothrops alternatus) 



ACIDENTE CROTÁLICO
GÊNERO: Crotalus.
NOMES POPULARES: Cascavel, boicininga e maracambóia.
INCIDÊNCIA: Aproximadamente 7,7% dos acidentes ofídicos.
LETALIDADE: 1,8%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Ocorrem nas áreas abertas (campos, cerrados e caatinga) em todas regiões do Brasil. Na Amazônia, a cascavel está presente nas manchas de campos e cerrado em Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e Roraima.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: neurotóxica, miotóxica e coagulante.
SINTOMAS DA VÍTIMA: edema discreto ou ausente, dor discreta ou ausente, parestesia, ptose palpebral, diplopia, visão turva, urina avermelhada ou marrom. Insuficiência respiratória aguda em casos graves. Tempo de coagulação sanguínea prolongado.
SORO: Anti-crotálico ou anti-botropicocrotalico.


Cascavel  (Crotalus durissus)



GRUPO III ACIDENTE LAQUÉTICO
GÊNERO: Lachesis (Figs. 21 e 22).
NOMES POPULARES: Surucucu-pico-de-jaca, pico-de-jaca, bico-de-jaca e surucutinga.
INCIDÊNCIA: 1,4%.
LETALIDADE: 0,9%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Amazônia e na Mata Atlântica, da Paraíba até o norte do Rio de Janeiro.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: proteolítica (atividade inflamatória aguda), hemorrágica, coagulante e neurotóxica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: semelhante ao acidente botrópico com dor, edema e equimose, formação de bolhas, gengivorragia e hematúria. Difere do acidente botrópico devido ao quadro neurotóxico: bradicardia, hipotensão arterial, sudorese, vômitos, náuseas, cólicas abdominais e distúrbios digestivos (diarréia). Risco de insuficiência renal aguda.
SORO: Anti-botropicolaquetico.  
Surucucu-pico-de-jaca  (Lachesis muta) 




ACIDENTE ELAPÍDICO
GÊNEROS: Micrurus e Leptomicrurus (Figuras 23-26).
NOMES POPULARES: Coral-verdadeira, cobra-coral ou coral.
INCIDÊNCIA: Menos de 1% dos acidentes ofídicos.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Todo o Brasil.
ATIVIDADE PRINCIPAL DO VENENO: neurotóxica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: dor local, parestesia, ptose palpebral, diplopia, sialorréia (abundância de salivação), dificuldade de deglutição e mastigação, dispnéia. Risco de insuficiência respiratória nos casos graves.
SORO: Anti-elapídico.  
Coral-verdadeira  (Micrurus lemniscatus) 


Coral-verdadeira  (Micrurus hemprichii)


Coral-verdadeira  (Micrurus remotus)


Coral-verdadeira  (Micrurus surinamensis)



PREVENÇÃO DE ACIDENTES
  • Sempre que for andar nas florestas, andar calçado. Cerca de 80% das picadas acontecem do joelho para o pé, sendo 50% na região do pé. O uso de botinas ou botas preveniria melhor do que um tênis;
  • Evitar acúmulo de lenhas, entulhos e lixos próximos a moradias humanas;
  • Cerca de 15% das picadas atinge mãos ou antebraços. Usar luvas de aparas de couro para manipular folhas secas, montes de lixo, lenha, palhas, etc. Não colocar as mãos em buracos;
  • Não colocar as mãos dentro de buracos do solo ou de árvores;
  • Olhar para o chão quando estar andando em trilhas;
  • Evitar andar a noite, pois é o horário de maior atividade das serpentes venenosas;
  • Ao sentar-se no chão, olhar primeiro em volta;
  • Ao encontrar uma cobra, avise o resto da turma sobre onde ela se encontra e procure desviar-se dela. Lembre-se de que ela está em seu habitat natural e é você quem é o invasor;
  • Onde há rato há cobra. Limpar paióis e terreiros, não deixar amontoar lixo. Fechar buracos de muros e frestas de portas.






PRIMEIROS SOCORROS
  • Manter a vítima calma;
  • Manter o paciente deitado;
  • Evitar esforços físicos, como correr, por exemplo;
  •  Manter o paciente hidratado;
  •  Lavar o local da picada apenas com água ou com água e sabão;
  • Procurar um hospital o mais rápido possível, procurando tentar saber antes se o mesmo possui soros anti-ofídicos;
  • Se possível, levar a serpente causadora do acidente pra facilitar o diagnóstico.



Não fazer
  • Torniquete ou garrote no membro picado, pois poderá agravar o acidente, aumentando a concentração do veneno no local;
  • Perfurações ou cortes no local da picada, porque pode aumentar a chance de haver hemorragia ou infecção por bactérias;
  • Não cortar ou perfurar o local da picada;
  •  Não colocar folhas, pó de café ou outros contaminantes;
  •  Não oferecer bebidas alcoólicas, querosene ou outros tóxicos.



Referências: Assustadores e Venenosos Disponível em: <http://www.fiocruz.br/sinitox_novo/media/animais_peconhento_1.pdf>






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