Acidente ofídico ou ofidismo é o quadro de envenenamento
decorrente da inoculação de toxinas através do aparelho inoculador (presas) de
serpentes.
Anualmente ocorrem
aproximadamente 28.000 acidentes ofídicos no Brasil, apresentando uma
letalidade de 0,4%. Entretanto, esses dados epidemiológicos talvez não
correspondam à realidade devido às subnotificações. O número de óbitos gira
entorno de 300 por ano. Antes da produção e distribuição do soro anti-ofídico
por Vital Brazil em 1901, era estimada uma letalidade de 25% entre as vítimas
de acidentes ofídicos no Estado de São Paulo. Já em 1906 houve uma redução de
50% dos óbitos e 40 anos depois a letalidade variava entre2,6 a 4,6%.
A maioria destes acidentes ocorre
com trabalhadores rurais do sexo masculino com idade entre 15 a 49
anos e os membros inferiores são os mais atingidos. As serpentes não apresentam
interesse em picar uma pessoa e, quando fazem isso, é para se defenderem. E no
Brasil nenhuma espécie peçonhenta vem intencionalmente até uma pessoa para
picá-la, são as pessoas que não percebem a presença da cobra e se aproximam
dela. Por isso, toda atenção é recomendada quando estamos nos habitats desses
animais.
No Brasil ocorrem aproximadamente
380 espécies de serpentes, sendo 60 peçonhentas. As serpentes peçonhentas
apresentam glândulas de veneno desenvolvidas associadas a um aparelho
inoculador (dentes), cuja função primária é a subjugação (matar) e digestão de
suas presas. Apesar da função primária do veneno das serpentes ser a captura de
suas presas, ele pode ser usado secundariamente como defesa, causando acidentes
em seres humanos.
São quatro grupos de serpentes
peçonhentas que podem causar acidentes ofídicos no Brasil:
Grupo I - Acidente
Botrópico: Gêneros Bothrops e Bothrocophias (conhecidas
popularmente como jararacas, caiçaca, urutu-cruzeiro, jararacuçu, surucucu,
cotiara, boca-de-sapo).
Jararaca ou Caissaca (Bothrops
moojeni)
Grupo II - Acidente
Crotálico: Gênero Crotalus (conhecidas
popularmente como cascavéis).
Cascavel (Crotalus durissus)
Grupo III - Acidente
Laquético: Gênero Lachesis (conhecidas
popularmente como pico-de-jaca, bico-de-jaca, surucucu-pico-de-jaca e surucutinga).
Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis
muta)
Grupo IV - Acidente
Elapídico: Gêneros Micrurus e Leptomicrurus (conhecidas
popularmente como corais-verdadeiras).
Coral-verdadeira (Micrurus
lemniscatus)
Os gêneros Micrurus e Leptomicrurus
apresentam dentição proteróglifa (dentes inoculadores relativamente pequenos e
fixos, localizados anteriormente na maxila superior). São 29 espécies de
corais-verdadeiras no Brasil.
Os gêneros Bothrops, Bothrocophias, Crotalus e Lachesis
apresentam dentição solenóglifa (dentes inoculadores localizados anteriormente
na maxila superior, que se projetam num ângulo de 90º no momento do bote). São
28 espécies de jararacas, surucucus e cascavéis no Brasil.
Para o reconhecimento de
serpentes peçonhentas, observa-se se a mesma apresenta a fosseta loreal. A
fosseta loreal é um pequeno orifício localizado lateralmente na cabeça entre o
olho e a narina. Este órgão sensorial termorreceptor, permite que os viperídeos
(família de répteis escamados da subordem Serpentes) localizem suas presas pela
detecção da temperatura das mesmas.
Se a serpente possuir um guizo ou
chocalho na porção terminal da cauda, trata-se de uma cascavel (Crotalus
durissus).
Se a serpente apresentar a
ponta da cauda com as escamas eriçadas e o formato das escamas dorsais
parcialmente salientes, parecendo a "casca de uma jaca", trata-se de
uma surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta).
Se a serpente apresentar a
ponta da cauda normal, trata-se de uma espécie de jararaca (Bothrops spp.
ou Bothrocophias sp.).
Os viperídeos ainda apresentam
escamas dorsais carenadas (parecendo "casca de arroz") e a pupila do
olho elíptica ou vertical.
Entretanto, espécies não
peçonhentas como a jiboia (Boa constrictor), salamanta (Epicrates cenchria)
e a dormideira (Dipsas indica) apresentam a pupila do olho também
vertical por serem de hábitos noturnos. Alguns colubrídeos (ex. Cobra-d´´agua -Helicops spp.
e a Papa-ovo Pseustes spp.) também apresentam escamas
carenadas e não são peçonhentos.
As cobras corais (Micrurus spp.
e Leptomicrurus), não apresentam a fosseta loreal, possuem um olho
pequeno e as escamas dorsais são lisas (não carenadas). Quando uma serpente
apresentar o padrão de colorido tipo "coralino", com anéis pretos,
amarelos (ou brancos) e vermelhos, a mesma deve ser tratada como uma possível
coral-verdadeira. Algumas corais amazônicas não apresentam anéis coloridos (vermelho,
laranja ou amarelo) pelo corpo (ex. M. albicinctus).
CONFUSÃO COM OS NOMES POPULARES
Poucas vítimas levam até o
hospital a serpente causadora do acidente, sendo que o reconhecimento do gênero
causador se faz pelo diagnóstico clínico (observação dos sintomas) na maioria
das vezes. Nota-se aqui o perigo de confusão com os nomes populares e a
associação destes com os nomes científicos.
Uma mesma espécie pode ter mais
de um nome popular (ex. Bothrops atrox e B. moojeni podem
ser chamadas de jararaquinha-do-rabo-branco, jararaca e jararacão de acordo com
o tamanho do espécime). Outro exemplo é B. atrox que em várias
regiões da Amazônia é conhecida como jararaca, mas no Estado do Acre e em
algumas regiões do Amazonas recebe o nome de surucucu, e o nome surucucu é
apresentado em livros para designar a Lachesis muta (Que é
conhecida na Amazônia como Pico-de-jaca ou Surucucu-pico-de-jaca). Em alguns
lugares do Amazonas B. atrox é conhecida também como combóia.
CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES
ACIDENTE BOTRÓPICO
GÊNEROS: Bothrops e Bothrocophias.
NOMES POPULARES: Jararaca, jararaca-pintada,
jararaca-da-Amazônia, surucucu, caiçaca, jararacuçu, cotiara, urutu-cruzeiro ou
cruzeira, jararaquinha-do-rabo-branco.
INCIDÊNCIA: Aproximadamente 90,5% dos acidentes ofídicos.
LETALIDADE: 0,3%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Todo o Brasil.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: proteolítica
(atividade inflamatória aguda), coagulante e hemorrágica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: dor, sangramento no local da
picada, edema (inchaço) no local da picada e pode evoluir por todo membro,
hemorragias (gengivorragia, hematúria, sangramento em ferimentos recentes),
equimose, abscesso, formação de bolhas e necrose. Hipotensão e choque
periférico em acidentes graves. Tempo de coagulação sanguínea prolongado. Risco
de insuficiência renal aguda.
SORO: Anti-botropico ou anti-botropicolaquetico ou
anti-botropicocrotalico.
Jararaca ou Surucucu (Bothrops atrox)
Jararaquinha-do-rabo-branco (Juvenil de Bothrops
atrox)
Jararacuçu (Bothrops jararacussu)
Jararaca ou Caissaca (Bothrops moojeni)
Jararaca-pintada ou Boca-de-sapo (Bothrops
matogrossensis)
Jararaca-pintada ou rabo-de-osso (Juvenil
de Bothrops matogrossensis)
Urutu-cruzeiro ou Cruzeira (Bothrops
alternatus)
Urutu-cruzeiro ou Cruzeira (Bothrops
alternatus)
ACIDENTE CROTÁLICO
GÊNERO: Crotalus.
NOMES POPULARES: Cascavel, boicininga e
maracambóia.
INCIDÊNCIA: Aproximadamente 7,7% dos acidentes
ofídicos.
LETALIDADE: 1,8%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Ocorrem nas áreas abertas
(campos, cerrados e caatinga) em todas regiões do Brasil. Na Amazônia, a
cascavel está presente nas manchas de campos e cerrado em Rondônia, Amazonas,
Pará, Amapá e Roraima.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: neurotóxica,
miotóxica e coagulante.
SINTOMAS DA VÍTIMA: edema discreto ou ausente, dor
discreta ou ausente, parestesia, ptose palpebral, diplopia, visão turva, urina
avermelhada ou marrom. Insuficiência respiratória aguda em casos graves. Tempo
de coagulação sanguínea prolongado.
SORO: Anti-crotálico ou anti-botropicocrotalico.
Cascavel (Crotalus durissus)
GRUPO III ACIDENTE LAQUÉTICO
GÊNERO: Lachesis (Figs. 21 e 22).
NOMES POPULARES: Surucucu-pico-de-jaca,
pico-de-jaca, bico-de-jaca e surucutinga.
INCIDÊNCIA: 1,4%.
LETALIDADE: 0,9%.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Amazônia e na Mata
Atlântica, da Paraíba até o norte do Rio de Janeiro.
ATIVIDADES PRINCIPAIS DO VENENO: proteolítica
(atividade inflamatória aguda), hemorrágica, coagulante e neurotóxica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: semelhante ao acidente
botrópico com dor, edema e equimose, formação de bolhas, gengivorragia e
hematúria. Difere do acidente botrópico devido ao quadro neurotóxico:
bradicardia, hipotensão arterial, sudorese, vômitos, náuseas, cólicas
abdominais e distúrbios digestivos (diarréia). Risco de insuficiência renal
aguda.
SORO: Anti-botropicolaquetico.
Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta)
ACIDENTE ELAPÍDICO
GÊNEROS: Micrurus e Leptomicrurus (Figuras
23-26).
NOMES POPULARES: Coral-verdadeira, cobra-coral ou
coral.
INCIDÊNCIA: Menos de 1% dos acidentes ofídicos.
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA: Todo o Brasil.
ATIVIDADE PRINCIPAL DO VENENO: neurotóxica.
SINTOMAS DA VÍTIMA: dor local, parestesia, ptose
palpebral, diplopia, sialorréia (abundância de salivação), dificuldade de
deglutição e mastigação, dispnéia. Risco de insuficiência respiratória nos
casos graves.
SORO: Anti-elapídico.
Coral-verdadeira (Micrurus lemniscatus)
Coral-verdadeira (Micrurus hemprichii)
Coral-verdadeira (Micrurus remotus)
Coral-verdadeira (Micrurus surinamensis)
PREVENÇÃO DE ACIDENTES
- Sempre que for andar nas florestas, andar calçado. Cerca de 80% das picadas acontecem do joelho para o pé, sendo 50% na região do pé. O uso de botinas ou botas preveniria melhor do que um tênis;
- Evitar acúmulo de lenhas, entulhos e lixos próximos a moradias humanas;
- Cerca de 15% das picadas atinge mãos ou antebraços. Usar luvas de aparas de couro para manipular folhas secas, montes de lixo, lenha, palhas, etc. Não colocar as mãos em buracos;
- Não colocar as mãos dentro de buracos do solo ou de árvores;
- Olhar para o chão quando estar andando em trilhas;
- Evitar andar a noite, pois é o horário de maior atividade das serpentes venenosas;
- Ao sentar-se no chão, olhar primeiro em volta;
- Ao encontrar uma cobra, avise o resto da turma sobre onde ela se encontra e procure desviar-se dela. Lembre-se de que ela está em seu habitat natural e é você quem é o invasor;
- Onde há rato há cobra. Limpar paióis e terreiros, não deixar amontoar lixo. Fechar buracos de muros e frestas de portas.
PRIMEIROS SOCORROS
- Manter a vítima calma;
- Manter o paciente deitado;
- Evitar esforços físicos, como correr, por exemplo;
- Manter o paciente hidratado;
- Lavar o local da picada apenas com água ou com água e sabão;
- Procurar um hospital o mais rápido possível, procurando tentar saber antes se o mesmo possui soros anti-ofídicos;
- Se possível, levar a serpente causadora do acidente pra facilitar o diagnóstico.
Não
fazer
- Torniquete ou garrote no membro picado, pois poderá agravar o acidente, aumentando a concentração do veneno no local;
- Perfurações ou cortes no local da picada, porque pode aumentar a chance de haver hemorragia ou infecção por bactérias;
- Não cortar ou perfurar o local da picada;
- Não colocar folhas, pó de café ou outros contaminantes;
- Não oferecer bebidas alcoólicas, querosene ou outros tóxicos.
Referências: Assustadores e Venenosos Disponível em: <http://www.fiocruz.br/sinitox_novo/media/animais_peconhento_1.pdf>
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